domingo, 1 de agosto de 2010

Educação Matemática e Paz - Texto do Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio

Minha proposta é fazer uma Educação para a Paz e, em particular, uma Educação Matemática para a Paz.
Muitos continuaram intrigados: "Mas como relacionar trinômio de 2° grau com Paz?". É provável que esses mesmos indivíduos costumam ensinar trinômio de 2° grau dando como exemplo a trajetória de um projétil de canhão. Mas estou quase certo que não dizem, nem sequer sugerem que aquele belíssimo instrumental matemático, que é o trinômio de 2° grau, é o que dá a certos indivíduos – artilheiros profissionais, que provavelmente foram os melhores alunos de Matemática da sua turma – a capacidade de dispararem uma bomba mortífera de um canhão para atingir uma população de gente, de seres humanos, carne e osso, emoções e desejos, e matá-los, destruir suas casas e templos, destruir árvores e animais que estejam por perto, poluir qualquer lagoa ou rio que esteja nos arredores. A mensagem implícita acaba sendo: aprenda bem o trinômio do 2° grau e você será capaz de fazer tudo isso. Somente quem faz um bom curso de Matemática tem suficiente base teórica para apontar canhões sobre populações.
Claro, muitos dirão, como já disseram: "Mas isso é um discurso demagógico. Essa destruição horrível só se fará quando necessário. E é importante que nossos jovens estejam preparados para o necessário." E os defensores de um conteúdo dominante dizem que a matemática ensinada é essencial para essa preparação. Milhões, durante toda a história da humanidade, têm acreditado na necessidade de se preparar para uma possível agressão, inventando meios mais “eficazes” de, em nome de defesa, agredir, o que têm causado enormes perdas materiais e morais. Seria fundamental lembrar que os interessados nesse estado de coisas justificam dizendo ser isso necessário porque o alvo da nossa bomba destruidora é um indivíduo que não professa o nosso credo religioso, que não é do nosso partido político, que não segue nosso modelo econômico de propriedade e produção, que não tem nossa cor de pele ou nossa língua, enfim o alvo de nossa bomba destruidora é um indivíduo que é diferente. Tem sido e continua sendo esse o conceito dominante nas relações sociais e políticas: ver, no diferente, um agressor em potencial.
O trinômio de 2° grau serviu como exemplo para argumentar. A importância tão feia que destacamos de uma coisa tão linda como o trinômio do 2° grau merece ser comentada. Não se propõe eliminar o trinômio de 2° grau dos programas, mas sim que se utilize algum tempo para mostrar, criticamente, as coisas feias que se tem feito com ele e destacar as coisas lindas que se pode fazer com ele.
A geração, organização intelectual e social e a difusão do conhecimento, dão o quadro geral no qual procuro desenvolver minhas propostas específicas para a educação matemática.

O Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio  é Professor Emérito de Matemática, Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP, e Professor dos Programas de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Carólica de São Paulo/PUCSP, Brasil

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